Beit Midrash

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terça-feira, 24 de maio de 2011

ÉTICA DA ESPIRITUALIDADE - Parte II

1.                  A Ética da Espiritualidade em Abraão.
Abraão desenvolveu uma espiritualidade cujo resultado seria a benção de Deus sobre todas as nações, as ações de sua vida resultavam no cuidado com o outro, como quando socorreu Ló, as mulheres e o povo da guerra contra os reis cananeus (Gn 14.1-17). Quando intercede a Deus por Sodoma e Gomorra, cidades extremamente profanas, ainda assim, para ele é possível encontrar justos num ambiente tão profano, sem temor ou reverencia a qualquer lei instituída (Gn 18.22-37). O que nos chama bastante atenção neste capitulo é o que está relatado no verso dezenove: porque Eu o escolhi (Abraão) para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem a justiça (Tsedeká) e o juízo (Mishpat)... O detalhe desta passagem é que a Torá somente foi dada a Moisés 430 anos depois do período em que Abraão viveu (Gl 3.17). Deus determinou que Abrão e seus filhos vivessem, antes da entrega da Lei baseados em dois preceitos éticos a tsedeká e mishpat. Ou seja, sua conduta estaria fundamentada em obras que expressassem ajuda ao necessitado e atitudes de respeito ao outro, ainda que estranho a sua fé e conduta moral.     
O auge de sua espiritualidade pode ser vista na sua hospitalidade para com estranhos (Gn 18. 1-15), acredito que exista um paralelo muito grande entre este episódio narrado em Gênesis e o relato do julgamento do último dia narrado em Mateus 25. 31-16. Assim em Abraão a espiritualidade é prática, voltada para o semelhante e nunca em prol de si mesmo. Desta forma, a um contraste muito grande entre a espiritualidade apresentada na Bíblia em comparação com a prática da espiritualidade individualista desenvolvida nos dias atuais.

2.      A Ética da Espiritualidade em Moisés. 
Podemos começar a pensar na ética mosaica, quando Moisés identifica-se com o destino de seu povo, ao preferir viver como hebreu, refugiado no deserto, por matar um egípcio que maltratava seu irmão social, do que viver no apogeu e mordomia do palácio real. Uma renuncia de riqueza, honra, prestigio sem proporções iguais na história bíblica. Outro bom exemplo de ética para com o semelhante pode ser vista ao defender as filhas de Reuel, quando estas eram maltratadas pelos pastores daquela região, ao tentarem tirar água para os rebanhos de seu pai, mesmo não as conhecendo, ele defende os seus direitos (Êx 2.15-22).
Moisés é chamado por Deus para prestar serviço ao semelhante escravizado, para libertá-lo do opressor, que domina o povo com rigor excessivo (Êx 3.7-10). Mas não somente para isto, após a libertação do Egito, esse líder será responsável por levar ao povo as Leis de Deus, essas leis não são apenas os dez mandamentos, mas um código ético baseado em justiça, retidão e responsabilidade, sendo assim, temos leis que regulamentam o serviço cúltico (Êx 20.22-26), leis que protegem o escravo (Êx 21.1-11), leis contra a violência cometida aos pais (Êx 21.12-36), leis acerca da propriedade (Êx 22.1-15), que protegem os órfãos, viúvas, necessitados e estrangeiros (Êx 22.16-31; Lv 25.35-38; Dt 15.7-11), leis para o estabelecimento de juízes justos, que não aceitam suborno (Dt 16.18-22). Entre outras tantas leis éticas, porém entre todas essas leis destaco a lei do Jubileu (Lv 25.8-34) como auge “de uma sociedade igualitária, idealizada com base na justiça, solidariedade e igualdade social” (Scardelai, 2011).          
O cristão moderno não gosta muito estudar ou pensar sobre as leis bíblicas, sua principal justificava teológica é afirmar que Jesus cumpriu toda Lei, sendo assim, ele está livre da guardar determinadas leis bíblicas. No entanto, um olhar cuidadoso em Mt 5.17, veremos que Jesus não veio revogar a Torá, mas planificá-la, ou seja, dar um sentido maior, resgatar a essência de sua aplicabilidade. Então se fossemos estudar a Torá com o intuito descobrir seus princípios éticos, teríamos que compreender suas divisões; que segundo o rabino Hirsch (2002, p.79,80) estaria divida em:
A) Instruções e doutrinas (Torot): as revelações historicamente relativas a Deus, ao mundo e à missão da humanidade e de Israel, não como mera doutrinas de fé ou filosofia, e sim como princípios a serem reconhecidos pela mente e coração e seguidos durante a vida (Êx 20.2). Estas leis nos ensinam quais as obrigações de todos os seres, inclusive do homem, que necessita aprender a se considerar como um dos assistentes de Deus que voluntariamente reúne-se ao conjunto de seres ao seu serviço (Dt 4.19-20). A função de nossa experiência é educativa (Dt 8.2-3); o temor a Deus deve ser ensinado a nós pelo reconhecimento de sua ilimitada grandeza, infinita misericórdia, bondade e inabalável lealdade (Dt 4.40; 7.9);
 B) Julgamentos (Mishpatim): expressões de justiça relativas a criaturas iguais a nós e baseadas neste principio de igualdade, ou expressões de justiça para com os seres humanos. Sendo assim, respeite cada ser ao seu redor e tudo o que traz dentro de si como uma criação de Deus, tudo o que pertence aos outros, respeite como algo que lhe foi concedido por Deus, ou adquiridos de acordo com a Lei sancionada por Ele, não seja fonte de prejuízo para os outros (Êx 20.13, 17).
C) Estatutos (Chukim): a mesma consideração que você tem pelo homem é devida também às entidades inferiores, como a terra, que é a base e fonte de todo o sustento, com o mundo vegetal e animal, com seu próprio corpo, suas faculdades mentais, sua personalidade. Os Chukim requisitam que olhemos para todos os outros seres como uma propriedade de Deus, para que não aniquilemos, não abusemos deles ou acabemos por desperdiçá-los, em lugar de usá-los com sabedoria (Dt 20.19, Êx 23.5; Lv 19.19).
D) Mandamentos: (Mitsvot): princípios de amor relativos a Deus e a todos os seres sem distinção, e explicados unicamente pela obediência devida a Deus, em consideração à nossa chamada como amados do Eterno (Dt 6.4-9; 5.16).

3.      A Ética dos Profetas versus a Ética Sacerdotal.
 Quando pensamos em ética profética estamos querendo na verdade fazer relação ao conteúdo das mensagens dos profetas bíblicos e aos valores morais e sociais da sociedade de seu tempo que deveriam ser articulados e pretendidos a partir do pensamento e atitudes contempladas em Moisés. Sobre isso afirma Scardelai (2008) “a força da religião mosaica irrompem-se como ideologia popular ao imprimir uma clara inversão de valores na ordem de valores da pirâmide social”. Pois Moisés estava situado na base inferior do estrato social egípcio, ao se colocar como defensor dos escravos hebreus.
Assim a religião bíblica está fundamentada sobre a Torá mosaica, que tem como valores essenciais; o direito e a justiça social como base para sua conduta ética:

O monoteísmo ético israelita está solidamente edificado não apenas sobre códigos ou doutrinas religiosas e espirituais das leis bíblicas, mas sobre a pregação enfática dos profetas bíblicos em favor da justiça social e de seus efeitos na sociedade. A ética encontra-se estreitamente relacionada ás questões políticas urgentes e à justiça social, valores que norteiam a conduta coletiva do povo e da nação israelita (Scardelai, 2008, p.35).        
                              
        A ética dos profetas, desta forma, estaria em contraste constante com a conduta e a postura adotada pelos lideres sacerdotais que muitas vezes se voltavam apenas para os aspectos prescritivos do culto, e não entendiam as emergências sociais da camada do povo, essa máxima pode ser sentida na clássica passagem contida no livro de Oséias: “misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que holocausto”. Com a adoção de uma postura distante da demanda popular, muitas vezes os sacerdotes se colocavam ao lado dos grandes latifundiários, o que agrava ainda mais a situação política e social do povo. Por isso a base dos “ensinamentos dos profetas denunciavam os pecados éticos e morais de Israel: opressão, fraude, roubo, mentiras e tantas outras mazelas associadas às injustiças sociais” (Scardelai, 2008, p.69).
Contudo é de suma importância não esquecermos a figura dos profetas do Estado, que eram aqueles indivíduos, que viviam à custa do Estado, da mesa do Rei, e que por isso nunca jamais, levantavam sua voz em favor dos pobres e oprimidos. Para esses a ética consistia no beneficio próprio, dentre os exemplos desse tipo de comportamento, temos Balaão, que por dinheiro estava disposto a mudar suas palavras e sua postura frente à vontade de Deus (Nm 22-24).
Podemos, então, pensar que a ética dos profetas não consistia de um apelo religioso vazio, baseado apenas em valores cúlticos sem significado, apenas para cumprir mera cerimônia religiosa.

Os profetas nos alertaram contra diferenciar o sagrado e o bom; diferenciar entre nossos deveres para com Deus e nosso próximo... há aqueles para os quais servir a Deus significa se voltar para a própria alma, ir à casa de oração, levar uma vida de oração e rito. Para outros, a justiça social é substituto da observância religiosa ou de Deus... mas a mensagem da Bíblia é a de que servir a Deus e a próximo são ações intrinsecamente ligadas, não devendo separá-las (Sarks, 2007, p.21).          

Neste aspecto, poderíamos comparar a ética ensinada por Jesus, como sendo bem próxima a dos profetas (Is 1.17), pois quando ele relata a parábola do bom samaritano, ele deseja enfatizar que ajudar ao necessitado é mais importante que subir ao Templo para oferecer sacrifícios (Lc 10.25-37). Desta maneira. Ele se aproxima bastante do conceito ético de valorização da vida das pessoas ensinada pelos profetas. 

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