Beit Midrash

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sexta-feira, 10 de junho de 2011

Jesus, o Império e o Judaísmo - Parte III

III – A realidade do judaísmo num mundo romanizado.

            A definição de um judaísmo estreitamente monolítico enfrenta sérias contestações no mundo acadêmico atual. E não são poucas as dificuldades em aceitar a velha e tradicional fórmula usada pelos teólogos do NT, tanto católicos quanto protestantes, para convencer o mundo cristão de que Jesus se opunha ao judaísmo do mesmo modo como a Lei se opunha ao mandamento do Amor radicalizado nas pregações de Jesus. Essa proposta, que até pouco tempo atrás catalisava outras premissas que davam sustentação à fé cristã. Elas se encontravam em manuais de teologia. Esse universo retratado do Jesus X Judaísmo já não funciona mais, visto ser uma imagem construída sobre a auto-afirmação da Igreja sobre o judaísmo.
            A definição do judaísmo, tomado apenas como uma religião do mundo antigo, levanta sérios problemas. É tendência comum os intérpretes modernos assumirem por “judeu” a identidade dos personagens do NT, tais como Herodes o Grande, Arquelau, os Sumos-Sacerdotes Anás e Caifás, o fariseu Gamaliéu e o próprio Jesus. Ao fazer tais generalizações, todas as “diferenças e interesses políticos desaparecem” (p.15). Esse enfoque de um judaísmo padrão serve mais para reforçar a oposição de Jesus ao judaísmo como um todo.        
O problema em definir judaísmo para Grabrielle BOCCACCINI:
“Os séculos da revolta macabaica [168 aC] à guerra judaica [66-74 dC] não foram nem o ponto conclusivo de um judaísmo monolítico já plenamente estabelecido, antes de Jesus, nem o ponto inicial de um processo de evolução linear que naturalmente tenha desaguado no estágio rabínico. Esses séculos foram uma era de diversidade e transição (“judaísmo médio”) de muitas correntes judaicas em competição, na qual tanto o Cristianismo quando o Judaísmo Rabínico tiveram, digamos, suas origens em raízes comuns orientadas pelo pensamento judaico durante o período pós-exílico” (Roots of Rabbinic Judaism, p. XIV).      
            Um dos problemas para definir Judaísmo é porque se deve levar em conta não apenas sua realidade religiosa fragmentada, alienada da situação histórica do longo e complexo período de transformações porque passava toda a costa Mediterrânea por mais de seis séculos antes de Jesus. Portanto, Judaísmo não é um elemento isolado ou fora de um conjunto de fatores políticos e sociais que também estavam em processo de transformação. Trata-se de um grave equívoco tentar entender o judaísmo sem relacioná-lo às condições que ajudaram a forjar as variantes de “judaísmos” que nasceram desse cenário.   
Roma ofereceu ao Ocidente seu “Salvador” do mundo. Caiu Júlio César Otaviano (também conhecido como Cesar Augusto ou Otávio Augusto - 27 aC – 14 dC), filho adotivo de Julio Cesar, foi o primeiro imperador romano. Com a idealização da Pax Romana, promoveu um processo de “pacificação” universal que serviu para alicerçar e garantiu o poder imperial baseado na imposição da paz a qualquer custo. A nova ordem se impunha por todo Mediterrâneo, promovida pela política de submissão dos povos bárbaros e na morte aos rebeldes e opositores. A prosperidade de Augusto era simbolizada pela submissão em troca da proteção do estado. A manutenção da ordem era retratada com grandes eventos públicos nos festivais em praça de centros urbanos. Logo ficara evidente o poder manipulador do Império em demonstrações e eventos populares, conhecidos como “pão e circo” para controlar povos subjugados e impedir a “desordem” social. O culto pessoal ao imperador tinha motivação religiosa e também contribuía para domesticar as orlas bárbaras.
            Nada mais anacrônico do que a civilização da Pax romana governada pelo espírito de violência legalizada sob a bandeira do exército romano. A paz era controlada pela violência e o derramamento de sangue dos povos que recusavam lealdade à dominação. A brutalidade, o terrorismo e a repressão foram recursos sistematicamente empregados para combater rebeldes e bandidos de toda espécie. A força bruta e a violência tinham a legitimidade do estado, sendo usado de modo sistemático nas províncias romanas, especialmente depois da conquista da Judéia por Pompeu, em 63 aC. Além desse toque politizador da Terra de Israel ocupada militarmente por Roma, a história do próprio Jesus encontra-se inserida na pátria judaica romanizada.
       

domingo, 5 de junho de 2011

Jesus, o Império e o Judaísmo - Parte II

 A Proposta de Richard HORSLEY no seu Jesus e o Império.

A idéia central da obra de Richard HORSLEY é mostrar Jesus como um profeta que dedicou sua vida a pregar uma revolução social na Palestina, assumindo características que o fizeram se aproximar das tradições proféticas de Moisés e Elias.
A tese principal defendida por HORSLEY, partindo do estudo do evangelho de Marcos e da Fonte Q, está em que Jesus promoveu uma revolução social na pátria judaica. Ele “liderou um programa de renovação do povo, e também pronunciou a sentença de Deus sobre os governantes da nação, sobre os romanos e sobre os seus representantes em Jerusalém, a face que a ordem imperial romana apresentava à população da Palestina” (p.85).
Assumindo a condição de Profeta, e tendo se dirigido aos camponeses no entorno do Lago da Galiléia, Jesus dedicou sua vida à causa de uma grande transformação capaz de levar o povo camponês da Galiléia a uma “renovação pessoal e comunitária” (p.85). Estava convicto de que sua missão teria efeitos decisivos a ponto de reverter a situação de opressão a que essa gente estava submetida. Por isso, “Jesus se dirigiu aos pobres camponeses de seu tempo, subjugados pelo cruel domínio do Império Romano e de seus associados locais da elite herodiana e judaica, conclamando-os para uma revolução que só teria sucesso se partisse da conscientização da situação de opressão em que viviam” (Airtonjo).
“Segundo Horsley, Jesus só pode ser compreendido dentro do contexto do imperialismo romano de sua época, e a sua pregação da chegada do "reino de Deus" significa a expectativa da libertação política e social aqui e agora, que na tradição camponesa, Deus providenciaria para aqueles que eram fiéis à aliança” (ver www.airtonjo.com). Até recentemente os manuais de teologia justificavam a originalidade do programa de Jesus enfatizando seu ministério público em contraste com as matrizes religiosas de suposto “judaísmo legalista” sob o patrocínio do farisaísmo. Visto sob o prisma da oposição radical à Lei/Tora, o fenômeno Jesus passou a ser lido como reformador da estrutura religiosa de um judaísmo decadente, legalista e vazio para a edificação da nova Religião do Amor. Desta premissa evoluíram construções teológicas distorcidas sobre um Jesus hostil à matriz judaica na qual viveu a toda sua vida.
Ao superestimar a excentricidade exclusivista do comportamento religioso-espiritual de Jesus, e a negativa da sua atuação política na sociedade, abriu-se caminho para um amplo desenraizamento da ação política no ministério público. Durante muito tempo, esse tipo de leitura despolitizadora desferiu sérios golpes sobre o Jesus histórico. Seu ministério era transportado para uma divisão entre dois mundos antagônicos: o judaísmo o cristianismo helenista.
            Ao oferecer pistas para a recuperação do Jesus histórico, HORSLEY encontra nos textos do Evangelho de Marcos e nos ditos da Fonte Q, elementos da dinâmica participativa de Jesus no amplo contexto social judaico: religião, política e economia. Tal inserção nos obriga a dar a devida atenção à força política de sua mensagem. O Jesus despolitizado tornou-se em nossos dias uma tendência ideológica poderosíssima que, infelizmente, predispõe o leitor a separar Religião da Política e da economia facilitando, assim, “reduzi-lo a uma mera figura religiosa” (p.12). Esse esforço de proteger Jesus contra a contaminação dos elementos “profanos”, desassociando-o da política e da economia, é uma tendência do “individualismo ocidental” visando facilitar sua apropriação.    
O passo seguinte á despolitização do ministério público de Jesus consiste na “domesticação” que insiste na livre apropriação de atitudes que refletem a imagem dócil de um pacifista. Ao lançar mão da apologia para reforçar um messias preocupado com o mundo espiritual, toda a agenda política fica claramente comprometida na sua mensagem. Particularmente notáveis a esse respeito são as declarações de Jesus: Dai a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus e amai os vossos inimigos. Tais declarações poderiam sinalizar para um Jesus nada comprometido com a situação política da Judéia romana. O posicionamento frente aos tributos a Roma passava também o modo de se posicionar diante da Religião, já que a manifestação do domínio imperial romano através da cobrança de impostos servia de recado à população sobre quem era o dono da terra. Então, parece incabível aceitar que Jesus, assim como a maioria de seu povo, não estivesse rejeitando o Império tendo Deus como único Senhor!
Na luta pela renovação da aliança com Deus, Jesus se posicionou contra os dirigentes que governavam a Galiléia-Judéia, dirigindo, sobretudo, aos pobres camponeses de seu tempo que sofriam o jugo da dominação imperial romana. Como profeta de seu tempo, Jesus convocou esse povo para uma revolução social para a superação da opressão romana. Na mensagem captada nos discursos da Fonte Q, Jesus mostra um “Reino de Deus” presente entre os pobres. É para estes que o Reino é oferecido em forma de multiplicação de alimentos, remissão das dívidas, cooperação mútua, curas e milagres (Q 6,20-49). Ao propor a renovação para estes pobres, o Reino também mostra que os dirigentes e os poderes locais serão todos julgados e condenados por Deus (p. 85).  
A exemplo da Fonte Q, o programa de Jesus, no Evangelho de Marcos, expõe o movimento de seus primeiros seguidores em oposição ao Império, bem como ao regime de clientelismo exercido pelos governantes locais.
A principal alternativa no programa de Jesus baseia-se na pregação de uma renovação comunitária da família e clãs tradicionais inspirados nos moldes da antiga aliança de Israel com Iahweh. Ao se dirigir aos camponeses e às aldeias no entorno do lago da Galiléia, Jesus estava convencido da eficácia de um movimento de resistência e protesto tal como as tradições populares dos profetas bíblicos fizeram. Numa terra romanizada, socialmente assolada pelo desmantelamento das instituições, a alternativa era revigorar os antigos modelos de integração comunitária. Nas aldeias agrárias da Galiléia, a FAMÍLIA fornecia, pois, um ambiente singular usado para reeducar a consciência coletiva. É bem possível que nesse contexto é que emergem as “comunidades semi-autônomas cuja forma político-religiosa de administração era a assembléia da aldeia, Kenesset, dirigida por anciãos locais” (p.66). De um lado, os governantes mergulhados num mar de corrupção e privilégios, de outro, a imensa maioria da população, refém das altas taxas de impostos e tendo que produzir para sustentar as classes dirigentes. Eles estavam divididos por um enorme abismo social.      
A articulação entre as duas realidades, Roma e Estados Unidos, é apresentada na primeira parte do livro como uma crítica aos efeitos da distorção da despolitização de Jesus pela sociedade norte-americana. Ao falar da “NOVA DESORDEM MUNDIAL”, nas primeiras páginas (pp.7-20), HORSLEY se refere ao atual “Império Norte-Americano”. Ele arrisca traçar um paralelo entre o antigo Império Romano, em seu ápice, e o Império Americano de hoje. E conclui que ambos se tornaram opressores de povos subjugados, e em tom profético, ousa dizer que assim como a Antiga Roma, também a América cairá em desgraça.
 Sem constrangimento, HORSLEY aponta as contradições presentes na sociedade americana. Nas origens da colonização, os colonos americanos se orgulhavam de se inspirarem nas histórias da Bíblia para lançarem seus ideais de “Povo Eleito”, fugindo da opressão do novo Faraó, Jorge III, para buscar a liberdade na nova Terra Prometida da América. A figura de Jesus parecia inspirar novos movimentos de libertação e criar uma sociedade mais justa e livre dos opressores externos.
Trata-se, pois, de uma frustrada tentativa de se apropriar indevidamente de tradições do povo bíblico com intuito de legitimar a dominação atual. É, no mínimo, irônico que os fundamentos religiosos do capitalismo norte-americano, estampados nas cédulas do dólar, revelam o esforço para promover a relação entre Deus e o mercado: “In God we trust” (Em Deus nós confiamos). Esse mesmo sentimento religioso puritano está presente no hino nacional: God Bless America. Difícil mesmo é perceber qual é o grau de comprometimento dos ideais norte-americanos de liberdade com a proposta do Reino de Deus proclamado por Jesus nos evangelhos. Ora, “os americanos passaram a ver-se como a nova Roma” e “os pais fundadores consideravam-se instituidores de uma República à imitação da antiga Roma” (p.9). Não consigo ver na proposta de se inspirar na herança bíblica do Êxodo para criar um ideal de democracia e liberdade outra coisa senão a distorção dos propósitos do Reino de Deus para fins de legitimar uma nova ideologia de imperialismo, disfarçada sob leitura despolitizadora de um Jesus “domesticado”.   
Em sua identidade, “os americanos passaram a ver-se como a nova Roma”. E "ao cultivar a 'virtude republicana', a busca do bem da sociedade como um todo, os líderes políticos da nova nação pretendiam ansiosamente evitar os erros dos antigos romanos". Contudo, "parece algo totalmente diferente da identidade originária dos americanos - um povo bíblico praticando a virtude republicana romana - o fato de os Estados Unidos terem se tornado recentemente a única superpotência remanescente" (p. 9).
As coisas ficaram mais complicadas depois dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, quando os americanos foram obrigados a se questionar porque os outros povos os odeiam tanto, sendo que essa mesma pergunta já era feita pelos povos sobre os americanos: “porque os americanos nos odeiam”?
Horsley lança, pois, a provocação àqueles que fizeram de Jesus uma mera figura religiosa, despolitizado em sua ação, reduzido a um sujeito sem significado político, alguém incapaz de causar qualquer ameaça às instituições de seu tempo. Só não conseguem explicar a embaraçosa situação causadora da morte de Jesus. Porque um sujeito tão inofensivo deveria ser morto na cruz romana? Para evitar tocar esse problema, Jesus sofreu um processo de domesticação política, tornando-se alienado dos problemas que tanto infligiam seu povo oprimido pela mesma Roma que o executou.
Olhando de cima da pirâmide social, Jesus é "uma figura que está na origem de uma religião a partir de outra, o surgimento do cristianismo a partir do judaísmo" (p. 12). Ou pior que isso, um homem de índole religioso que odiava se envolver em política. Nada mais cômodo para quem vê essa realidade sob a ótica do opressor, da vitória do cristianismo sobre o judaísmo depois de Constantino! Esse construto teológico, baseado na superioridade, porém, contradiz as formas improvisadas de movimentos de Jesus sugeridos nos evangelhos. Os seguidores desse movimento sofreram perseguições por conta do ideal de Reino de Deus que era defendido, como a prática da justiça, o perdão e a destruição dos poderes diabólicos que se manifestavam na opressão dos governantes. Se, no século I, idéias como essas incomodaram as autoridades levando-as a eliminarem pessoas como Jesus, então “não temos mais condições de ficar sossegados com essas representações domesticadas de Jesus. Não podemos mais ignorar o impacto do imperialismo ocidental sobre povos subordinados e sobre as formas de reação de povos que sentem suas vidas invadidas. A analogia histórica 'coincidente' é muito inquietante..." (p. 12).
A abordagem contextual política de Horsley sobre Jesus, aliás, do ponto de vista do contexto da opressão romana, não pode subestimar o complexo universo ambiente cultural-religioso judaico da Terra de Israel. Afinal, foi nesse universo doméstico judaico do século I que Jesus exerceu o ministério e morreu crucificado. Portanto, se existe uma força inspiradora germinal no movimento criado por Jesus, este deve ser compreendido como uma característica de outros movimentos de seu tempo. A proposta abarca, nesse caso, o ideal da tradição popular do profetismo bíblico israelita, força arrebatadora que modelou a tom profético de seus protestos.
Conclui-se daqui, que o tom político na mensagem de Jesus não pode ser esvaziado de conceitos religiosos essenciais, como Reino de Deus, da mesma maneira que este conceito não está alienado de valores políticos.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Jesus, o Império e o Judaísmo - Parte I

I Refazendo pressupostos: Jesus as fontes não-cristãs.
            
A identidade judaica de Jesus (aliás, uma premissa perturbadora para muitos cristãos desde muito tempo) desafia a muitos teólogos justamente quando estes ignoram a complexidade do judaísmo e suas transformações sofridas ao longo do período do Segundo Templo.
·         Os debates acadêmicos em torno do “Jesus histórico” lançaram agudas polêmicas acerca do ambiente-contextual em que viveu Jesus, demarcando novas fronteiras na pesquisa contemporânea. A primeira obra de vulto, de Hermann Samuel Reimarus (1694-1768), Os objetivos de Jesus e seus discípulos, publicada após sua morte, em 1778, inaugurou um campo totalmente novo que evoluiu para a assim chamada “Pesquisa do Jesus histórico”.
·         A primeira e mais completa obra investigativa sobre o Jesus Histórico apareceu em 1906, escrita pelo médico e missionário Albert SCHWEITZER (1875-1965). Durante quase dois milênios, até Reimarus, o NT permaneceu fonte inquestionável para uma possível história de Jesus (ver ENEXO I).
·         Entre as fontes extra-canônicas mais antigas (mas de relevância histórica contestável), pelo menos 4 são conhecidas por mencionarem Jesus e os cristãos. 1Suetônio (69-141 dC):
“Os cristãos, espécie de gente dada a uma superstição nova e perigosa, foram destinados ao suplício”... “O Imperador Cláudio expulsou de Roma os Judeus que viviam em contínuas desavenças por causa de um certo Cresto (Vida dos doze Césares, XV e XXV(n.25,p.256-257).
2 – Plínio, “o Jovem” (62-112 dC), escritor pagão, mostra ser parcial na sua visão negativa sobre os cristãos, mas demonstrando um modo de retratar o ‘cristianismo’:
Tinham o hábito de se encontrar em determinado dia antes do amanhecer, quando cantavam em versos alternados um hino a Cristo como se fosse um Deus, e obrigavam-se a si mesmos por um juramento solene a não praticar nenhuma má ação, a nunca cometer qualquer fraude, furto ou adultério, e nunca falsear a sua palavra, a nunca negar a confiança quando chamados a negá-la; depois do que, era seu costume se separar, e, em seguida, tomar parte de um alimento - mas alimento de natureza normal e inocente” - Carta a Trajano, Cartas X,97 (Citado por H.C. KEE, As origens cristãs. Paulinas, 1983. p.73-74.
3 – Tácito (55-120 dC).
Para destruir o boato (que o acusava do incêndio de Roma), Nero supôs culpados e infringiu tormentos requintadíssimos àqueles cujas abominações os faziam detestar, e a quem a multidão chamava CRISTÃOS. Este nome lhes vem de CRISTO, que, sob o principado de Tibério, o procurador Pôncio Pilatos entregara ao suplício. Reprimida incontinenti, essa detestável superstição repontava de novo, não mais somente na Judéia, onde nascera o mal, mas anda em Roma, pra onde tudo quanto há de horroroso e de vergonhoso no mundo aflui e acha numerosa clientela” (Anais, XV, 44 trad. 1 pg. 311; 3).
·         O texto de FLÁVIO JOSEFO (37-100 dC) se tornou o mais polêmico de todos:
Por volta desse tempo, vivia Jesus, um homem sábio, se, com efeito, devemos chamá-lo homem. Pois ele era pessoa que praticava feitos surpreendentes, sendo daquelas pessoas que aceitam a verdade de bom grado. Ele conquistou muitos judeus e muitos gregos. Era o Messias. Quando Pilatos, depois de ouvi-lo acusado por homens do maior prestígio entre nós, o condenou a ser crucificado, aqueles que primeiro o haviam amado não renunciaram ao seu amor. No terceiro dia, ele lhes reapareceu ressuscitado, pois os profetas de Deus haviam profetizado esta e outras coisas maravilhosas a seu respeito. E a tribo dos cristãos, assim chamada por causa dele, não desapareceu até hoje” (Ant. XVIII,63-64) (o texto em negrito é questionado se foi escrito por Josefo).

·         Eis algumas questões que emergem dessas informações: Quem foi Jesus? Como viveu e o que ele ensinou teve relação com a sua morte? Sua execução explica o teor de sua mensagem?
·         Segundo HORSLEY, Jesus só pode ser compreendido dentro do contexto do imperialismo romano de sua época. Esta é, pois, uma premissa importante. Mas, e quanto ao contexto judaico? O próprio HORSLEY reconhece os efeitos desastrosos de uma teologia desencarnada, mergulhada num sensacionalismo piedoso, nutrido por uma grave falta de compromisso social e moldado por um espiritualismo inconseqüente. Expressões desse sentimentalismo espiritual exacerbado não só resistem como predominam nas igrejas cristãs atuais. As conseqüências de compreender Jesus como uma figura “meramente religiosa”, alienado do contexto político em que se povo viveu, encorajaram leitura fundamentalistas que o despolitizaram. Ao desligar Jesus de sua crença, de sua tradição religiosa e dos graves problemas sociais causados pela ocupação imperial romana na pátria judaica.
·         Com a visão despolitização da ação de Jesus, ficou fácil sua “domesticação”.